06/09/2022 às 19h35min - Atualizada em 08/09/2022 às 00h00min
Professora transforma a vida de centenas de jovens e adultos por meio da educação e emprego
Edilaine Daniel começou a trabalhar aos 7 anos arrumando covas em cemitério, mas, ao mudar sua vida devido à educação, hoje desenvolve uma série de projetos sociais para auxiliar jovens e adultos nas periferias de São Paulo
SALA DA NOTÍCIA Mariana Mascarenhas
Projeto Quebrada Atualizada, que auxilia jovens e adultos a concluir os estudos Aos 14 anos, Edilaine Daniel Carvalho recebeu um convite que mudaria sua vida. A jovem, que até então trabalhava, desde os 7 anos, junto com seus seis irmãos, arrumando covas em um cemitério de Perus, em São Paulo, com o intuito de ajudar no sustento da família (a mãe era diarista e o pai motorista da antiga CMTC - Companhia Municipal de Transportes Coletivos), vivia em um barraco de madeira, próximo ao cemitério, juntamente com os pais e irmãos. O sonho dos pais em levar os filhos para uma moradia melhor fez com que a pequena Edilaine buscasse um trabalho informal cedo. Mas, prestes a completar 15 anos, Edilaine chamou a atenção de um senhor que havia contratado seu serviço para arrumar a cova de uma parente dele que havia falecido. Quando o homem lhe perguntou sobre seus estudos, a jovem não só disse que estudava em uma escola, como também que era rigidamente cobrada por sua mãe, quem acompanhava todo o seu desempenho escolar. Aquilo foi suficiente para que o senhor lhe desse um cartão com um endereço, convidando Edilaine e sua mãe a irem ao local indicado. Qual não foi a surpresa de ambas quando, ao chegaram ao lugar, um prédio da Legião da Boa Vontade (LBV), a jovem foi convidada a trabalhar formalmente como operadora de telemarketing da instituição. Anos depois, Edilaine recebeu um incentivo inicial da equipe da LBV para entrar na faculdade, a instituição Teresa Martin, onde se matriculou para o curso de estudos sociais. No entanto, devido ao pouco salário que recebia, a jovem tinha receio de não conseguir pagar as mensalidades. Nesse mesmo período, ela foi convidada a dar aulas de História e Geografia na escola em que havia estudado. O convite veio após um encontro ocasional com uma professora que havia dado aulas a Edilaine na 3ª série do primário e que no momento era diretora da instituição. Assim, aos 18 anos, Edilaine se tornou professora e conta que chegou, até mesmo, a dar aulas para alunos que estudaram com ela, os quais interromperam os estudos e retornaram naquele momento. Mas, a trajetória da jovem no universo da educação estava apenas começando. No ano de 1999, uma mega rebelião na unidade da antiga Febem, localizada no Tatuapé, fez com que a professora pesquisasse informações sobre medidas socioeducativas e sua relevância. “Na época, eu descobri que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) fora implantado recentemente e a conclusão a que cheguei era que a melhor solução para auxiliar os jovens da Febem seria por meio da educação.” Diante disso, a educadora se ofereceu para trabalhar como voluntária na unidade da antiga Febem de Franco da Rocha, com o intuito inclusive de produzir pesquisas para seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Após enfrentar algumas dificuldades, Edilaine foi aceita como professora voluntária do local. Ela gostou tanto do trabalho que, mesmo após ter concluído seu TCC, seguiu dando aulas aos jovens por mais seis meses. O trabalho de Edilaine, que atuava com reincidentes graves, repercutiu tão bem que ela foi convidada a ser diretora da Febem. Passados alguns anos, em 2012, a educadora fez sua pesquisa de mestrado na Cracolândia e se comoveu com as situações encontradas. “Nós precisamos ter empatia por essas pessoas. Por trás de cada um que está na rua, existe uma história a ser contada. Minha mãe, por exemplo, já precisou pedir dinheiro na rua”, conta. Hoje, Edilaine é docente universitária na Faculdade de Educação Paulistana (FAEP), funcionária pública da Secretaria da Justiça de SP, empreendedora social, mestra na área de Ciências Sociais e graduada em Estudos Sociais, Pedagogia, Sociologia e Direitos Humanos. O contato com a área educacional desde cedo fez com que ela desenvolvesse diversos projetos sociais, com o objetivo de oferecer educação e emprego formal para jovens e adultos de baixa renda, mulheres vítimas de violências doméstica, pessoas trans e muitos outros que lidam com barreiras para terminarem seus estudos e, por isso, não conseguem melhores oportunidades de emprego. “Desde o dia em que recebi minha primeira oportunidade de trabalho formal e ouvi, da pessoa que me contratou, que um dos motivos da minha contratação era o fato de eu estar estudando e ser cobrada, sempre por minha mãe, percebi o quanto a educação é essencial em nossas vidas”, afirma a pedagoga. Entre os diversos projetos desenvolvidos por Edilaine que já foram implantados, voltados para a educação e o mercado de trabalho, destacam-se: Rede Solidária: apoio e orientação às lideranças comunitárias e ONGs, em São Paulo, sobre a elaboração de projetos sociais, captação de recursos, prestação de contas etc. Rolê da empregabilidade: parcerias com empresas para que estas possam comparecer às comunidades e realizar processo seletivo com os moradores. Empreendedoras da Quebrada: cursos para mulheres que trabalham por conta própria e articulação de espaços para que possam expor e vender seus produtos. Vida que Segue: curso de capacitação para egressos do sistema prisional e pessoas em situação de rua para preparação e encaminhamento destes a entrevistas de emprego. Quebrada Atualizada: fruto da parceria da Faculdade de Educação Paulistana (FAEP) com o programa Educação de Jovens e Adultos (EJA), o projeto visa oferecer acesso à educação básica para jovens e adultos de baixa renda que não concluíram os estudos no tempo regular, com reservas de vagas para pessoas trans, estrangeiros e mulheres vítimas de violência doméstica. Resgatando Maria: projeto feito em parceria com o Centro Intersetorial de Assistência a Mulher com o intuito de prestar atendimento e resgate a mulheres vítimas de violência doméstica, tirando-as do círculo de violência e auxiliando-as na denúncia, busca de vagas para emprego etc... Sesi na Comunidade: projeto feito em parceria com o SESI, que auxilia os moradores de comunidades a concluírem o ensino médio. Escola de Esporte e Cidadania: aulas de esportes para crianças da comunidade, a partir de parcerias com clubes esportivos. Formando jovens para vida e o esporte: encaminhamento de jovens para peneiras em Clubes Esportivos. Atendimento a imigrantes da periferia: parceria com instituições privadas para auxílio de imigrantes moradores das periferias paulistanas na regularização de documentos, realização de cursos e encaminhamento para entrevistas de emprego. Catavento: projeto em parceria com a iniciativa privada para tirar as crianças das ruas e do trabalho infantil. Rolê da Cidadania: palestras nas comunidades sobre seus direitos, políticas públicas de educação, emprego e benefícios sociais. Expresso: parceria com a associação dos atores e produtores do Centro de São Paulo, oficinas culturais e de profissionalização para jovens em medida socioeducativa de liberdade assistida. Enfim, para Edilaine, sua trajetória se deve a duas situações: a educação familiar e as oportunidades que recebeu. “Somente a educação e o emprego formal com melhores oportunidades para crianças e jovens resultarão em uma sociedade melhor. Esse é o meu objetivo”, conclui.