Quando o colo fica vazio: a dor silenciada das mães após a perda perinatal
O que acontece com a mente de quem passa pelo luto antes ou logo após o parto
ALDEIA ASSESSORIA DE IMPRENSA
15/05/2025 09h16 - Atualizado há 10 horas
Neuropsióloga Carol Mattos (autorizado pelo autor)
O caso ocorrido nos últimos dias com a apresentadora e jornalista carioca Tati Machado, que perdeu seu bebê na reta final de sua gestação, com pouco mais de 33 semanas gerou comoção e abriu uma fresta sobre como a mente humana processa esse tipo de perda. A neuropsicologia mostra o que pode acontecer com a saúde mental das mães que perdem seus bebês antes ou logo após o parto. “Perder um bebê na reta final da gestação ou logo que essa criança vem ao mundo é uma ruptura abrupta entre expectativa e realidade. A mulher já ouviu o coração do bebê, já preparou o enxoval, já se imaginava embalando seu filho. Nesse momento, não se perde só um bebê — perde-se um futuro inteiro imaginado, um vínculo visceral que já estava formado. É o luto de um colo que ficou vazio, de um corpo que ainda pulsa vida, mas já não abriga o que mais sonhava", afirma a neuropsicóloga Carol Mattos, especialista em comportamento humano. Revivendo a dor “É uma dor imensurável. Estou tão triste em saber que a Tati perdeu seu bebê, a gente revive tudo de novo. É uma dor que não se explica”, disse a arquiteta Graziela Gazaro, que perdeu seu filho Gabriel com 27 semanas de gravidez em 2019. Ela conta que foi identificado num dos exames morfológicos que ele sofria de uma síndrome genética rara e uma cardiopatia severa. “Eu e meu marido estávamos saudáveis, fizemos todos os exames genéticos, mas infelizmente aconteceu. Quando ele fez 27 semanas de vida, o coraçãozinho do meu filho parou de bater. Meu mundo acabou, achei que entraria em depressão. Uma mãe perder um filho, em qualquer fase da vida, é uma dor que não tem cura”, diz Graziela, que dois anos depois teve mais dois abortos. As perdas causaram mudanças profundas na arquiteta. Ela, que em 2024 vivenciou outra dor ao perder o marido, afirma que ainda hoje tenta processar todas essas situações tão sofridas: “A gente não vive, sobrevive após a perda de um filho. Ainda não estou curada dessa dor, sempre lembro dele. Entrei na maternidade, passei por um trabalho de parto extenuante de mais de 24 horas e sai de lá sem meu bebê nos meus braços. Ainda não consegui doar as roupinhas dele, mas trabalho isso dentro de mim pois não sou apegada a bens materiais, mas vou precisar de apoio quando for fazer isso”, finaliza. A perda perinatal — que inclui a morte fetal tardia e o falecimento do recém-nascido nos primeiros dias de vida — é uma das experiências mais devastadoras que uma mulher pode enfrentar. Seus efeitos vão muito além da dor imediata: ela pode desencadear transtorno de estresse pós-traumático, depressão pós-parto (mesmo sem o bebê nos braços), ansiedade persistente, distúrbios do sono, crises existenciais profundas e um esmagador sentimento de culpa e fracasso. Muitas mães relatam a sensação de terem falhado em seu papel mais essencial, enfrentando o silêncio social que muitas vezes minimiza ou ignora sua dor. O luto perinatal é real, complexo e, infelizmente, ainda invisibilizado — o que torna o suporte psicológico, familiar e profissional não apenas importante, mas urgente. “Do ponto de vista neuropsicológico, o cérebro da gestante já havia se adaptado para o vínculo: havia alterações hormonais, sinapses preparadas para o cuidar. Com a perda, o cérebro entra em disritmia emocional, desorganizando, inclusive, as funções básicas de sono, apetite e a tomada de decisões”, afirma a especialista. Dados Em 2023, segundo dados do Painel de Monitoramento da Mortalidade Infantil e Fetal, do Ministério da Saúde, o Brasil registrou 20,2 mil mortes infantis e fetais por causas evitáveis, o menor número desde 1996. Isso representa uma redução de cerca de 62% em comparação com os 53,1 mil óbitos registrados naquele ano . As mortes evitáveis são aquelas classificadas como as que poderiam ser barradas por ações de imunoprevenção, adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém-nascido ou diagnósticos corretos, por exemplo. Dados da Unicef apontam que o número de mortes de menores de cinco anos no mundo diminuiu para 4,8 milhões em 2023, enquanto os natimortos permaneceram em torno de 1,9 milhão, de acordo com dois novos relatórios da ONU. Dor que não cessa “Tenho gatilhos até hoje. Não posso, por exemplo, ver camisola de hospital estampada. Passei por três psicólogos, o último, homem, foi o que mais me entendeu e acolheu, pois sofro de estresse pós traumático e ainda estou em tratamento”, disse a geógrafa Fernanda Fontebassi que no final de 2022, após uma gravidez muito saudável, perdeu seu filho Nuno com 38 semanas. “Fui para um pré-natal e dois dias depois comecei a sentir contrações, fui para o hospital e tudo aconteceu. Fui aconselhada por uma enfermeira e pedir minha alta hospitalar para me recuperar em casa, e foi o que eu fiz. Porém, me deparei com uma equipe despreparada que não solicitou o acompanhamento psicológico. O baque mesmo foi quando cheguei em casa; foi tenebroso, eu só chorava, e a maior tortura foi que meu leite desceu e só secou após 3 meses. Após passar por 11 médicos, ninguém conseguiu descobrir o que realmente eu tive, tanto que hoje participo de um estudo no Hospital das Clínicas de São Paulo. Coletaram minha placenta, meu sangue e do meu bebê, fizeram necrópsia nele e nunca detectaram o que aconteceu”, disse a geógrafa que também passou por mais dois abortos após essa gestação. Após 10 meses, Fernanda deu a luz a Bento, hoje com 1 ano. “Infelizmente, muitas pessoas, tentando me consolar – com a melhor das intensões - após essa perda me dizem: ‘ah, mas você tem o Bento agora’, mas um filho nunca anula o outro, essa é uma dor muito silenciosa que parece que após um tempo não temos mais o direito de sentir. Como tive os outros abortos, sei que a experiência de perder um filho com 38 semanas é muito diferente”, disse Fernanda. A importância do luto reconhecido “Nossa sociedade tem dificuldade em validar o luto gestacional. Assim como a Fernanda e a Graziela, muitas mulheres ouvem frases como: “você é jovem, logo terá outro” — como se pudesse haver uma “substituição” de um filho por outro. Validar essa dor é fundamental para a reconstrução do eu materno. Não se trata de seguir em frente como se nada tivesse acontecido, mas de aprender a seguir em frente com o que aconteceu”, disse Carol. O que oferecer a uma mãe em luto pela perda de um filho? Mais do que palavras, ofereça presença genuína e silenciosa, sem julgamentos ou expectativas. Evite frases prontas como “você é forte” ou “tudo acontece por um motivo” — elas podem ferir mais do que confortar. Em vez disso, esteja disponível para ouvir com empatia, mesmo quando o silêncio for tudo o que ela tiver para compartilhar. Reconheça que o luto materno é uma jornada íntima e intransferível, que não tem prazo de validade nem um roteiro a seguir. Algumas mães precisam falar mil vezes sobre o que viveram; outras, apenas respirar. Todas, porém, precisam de um mundo que respeite sua dor sem tentar apressar sua cura. O apoio mais valioso que você pode oferecer é o de validar sua perda, seu amor e seu direito de sentir. Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
SANDRA MARIA MARTINS
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