A Copa do Mundo de Futebol muda a rotina dos brasileiros. Neste ano, os reflexos da chegada da competição no Qatar começaram a ser vistos em meados de agosto, com o lançamento da nova coleção de camisetas da seleção. Embora o design tenha provocado controvérsias na internet, um levantamento realizado pela agência Conversion verificou que foram registradas 2,7 milhões de buscas sobre o uniforme no Google.
Além do aumento de 221% nos meses de julho a setembro sobre o termo, os dados revelam a preferência pela versão preta do manto brasileiro e uma grande procura pelas camisetas femininas. Esse cenário é coerente no Brasil, porque o futebol é uma paixão nacional. Mas também escancara cicatrizes profundas das relações de gênero no esporte.
Ao contrário do que acontece com os homens, que são incentivados desde a infância a escolher o time preferido e aprender passes de bola, as mulheres costumam ter o apreço pelo futebol repreendido pelo discurso patriarcal. Argumentos que desqualificam, ignoram ou rebaixam o conhecimento e fascínio de jogadoras e torcedoras são, infelizmente, comuns na cultura nacional.
Parte da herança desse tipo de comportamento vem da Era Vargas e do Regime Militar. Nesse período, mais especificamente de 1941 a 1979, estava em vigor o Decreto Lei 3.199/1941, que proibia a prática feminina de futebol. A justificativa para essa medida drástica se baseava em uma pseudo incompatibilidade natural das mulheres, que comprometeria a capacidade de gerar filhos.
A censura e os esforços para mitigar a proximidade com o esporte, portanto, não surtiram efeito. Há relatos de jogadoras que contornavam a vigilância da época para jogar partidas com amigas. A autonomia e liberdade para praticarem futebol começou a ser retomada somente com a revogação do decreto, em 1979. O regulamento da modalidade de futebol feminino surgiu 4 anos depois e continua vigente.
Futebol de campeãs
A seleção brasileira de futebol feminino atual faz um verdadeiro show dentro de campo. A despeito de todo preconceito, falta de incentivo, poucos patrocinadores e invisibilidade por parte da mídia e do público, as jogadoras demonstram a potência de quando um talento nato é lapidado com muito treino e trabalho.
A equipe venceu 8 vezes a Copa América Feminina e tem na sua escalação a maior artilheira da história da Seleção Brasileira, tanto feminina quanto masculina: Marta da Silva fez, até o momento, 118 gols pelo Brasil. Esse título a jogadora carrega desde 2015, junto das 6 nomeações de melhor futebolista do mundo.
Fora de campo, as mulheres também demonstram que não apenas entendem de futebol como, também, sabem formar torcidas organizadas. O público torcedor feminino, segundo uma estimativa do IBGE, é de 67,9 milhões, o que representa cerca de 62,5%.
Ocupação feminina
A Copa do Qatar será sempre marcada pelo contraste cultural. Na mesma edição onde se proibiu torcedoras iranianas de irem ao estádio Khalifa prestigiarem o seu time, a FIFA, pela primeira vez, escalou três mulheres para apitar os jogos da competição e três bandeirinhas, dentre elas Neuza Back, uma mulher brasileira.
Na transmissão para o Brasil, também ocorreram mudanças. A Rede Globo escalou Renata Silveira para narrar alguns jogos e a comentarista Ana Thaís Matos para participar das principais transmissões, inclusive da final da Copa do Mundo 2022, transmitida no dia 18 de dezembro. Esses são movimentos inéditos, mas representativos, das mudanças capazes de trazer mais equidade entre os gêneros dentro do mundo futebolístico.