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Pés Descalços Sobre Brasas é o novo livro de Júnia Paixão

Aniversário de quatorze anos da Editora Patuá reúne artistas e lança livros

LUIZ EDUARDO DE CARVALHO
17/02/2025 17h45 - Atualizado há 4 dias
Pés Descalços Sobre Brasas é o novo livro de Júnia Paixão
Divulgação

No último sábado, 4 de fevereiro, foram comemorados os 14 anos da Editora Patuá, numa festa no Bar e Livraria Patuscada que reuniu muitos e festejados nomes da Literatura nacional contemporânea. Para marcar o evento, alguns lançamentos, como o dos meus amigos Júnia Paixão, Franklin Valverde, Alexandre Brandão, gente de frente neste cenário. Dos livros novos, já li e resenho, a seguir, Pés Descalços Sobre Brasas, uma obra poética arrebatadora.


RESENHA - Chão de Brasas: Vias Para Penitências

 

Há belos livros de poemas que lemos, num dia bom, em uma compenetrada sentada e findamos impactados pelos poemas e pelo senso do conjunto chamado obra. Há outros, no entanto, que não nos permitem tal avanço e nos detém num regime homeopático de assimilação para a digestão do seu conjunto, a que chamamos de obra. Os primeiros são aqueles muito bons. Os segundos, os excelentes.

 

Mergulhei em um destes do segundo critério e retorno, náufrago, a trazer alguns despojos do que conseguiria tornar palavra aqui nesta crônica metidinha a resenha. Ou será o contrário? Fato é que Pés Descalços Sobre Brasas, lançamento do editor Eduardo Lacerda, cujo aconchegante selo editorial, a Patuá, lançou na festa de 14 anos de sua existência, é obra de excelência. A autora é a poeta amapaense, Júnia Paixão, que, crescida em Belo Horizonte, habita há três décadas na encantadora Carmo da Mata, onde anualmente promove, organiza a Festa Literária de Carmo da Mata – FLICAR, que cresce por todas suas arestas, principalmente a daquela qualidade de afeto que transforma um lugar e suas festas num eterno repositório de fecundas trocas e aderentes memórias.

 

Esmero no título, capa, projeto e execução, orelha, apresentação... um belo verso até no colofão! Cuidados de artífices, das letras, das linhas, dos traços, do espaço, das cores e da disposição dos blocos para o resultante engenho de arte chamado livro. Vejamos Pés Descalços Sobre Brasas em anatomia: a capa composta numa elegante colagem de signos já elevados a símbolo, dispostos com discurso em um ecumênico retábulo manufaturado qual um oratório anunciador da recôndita meditação que o texto nos reserva. Tela de bricolage digital que é, por si, um poema figurativo com sutil insinuação narrativa, e também, um convite . Assim, bem recebe e guarda, em tema e linguagem o seu conteúdo a que chamamos miolo; não já seu conteúdo textual, mas como ele se apresenta e distribui. Nesse quesito, tudo no livro é mais primor: as páginas negras com textos brancos que servem de separadores entre as partes, que ali são três. As quatorze páginas iniciais cotizadas entre títulos, dedicatória, epígrafe e breve apresentação, são convidativo alpendre, destes que a autora frequenta na arquitetura de sua memória e dos resquícios de sua correspondente História já exilada do hoje. O sumário como posto no final, a emocionada e precisa apresentação de Carla Guerso na primeira orelha também correspondem em tudo com a tríptica obra, preciosa como tantos outros relicários mineiros na tradição da poesia que nos põe a refletir para lidar com as emoções que desperta..

 

Ultrapassamos a aconchegante antessala que nos recebeu ávidos pela leitura envidraçada de um mundo que ficou lá fora, exilado em seu terreno de realidade, e convida-nos enquanto lhe observamos calçadas e outras vias avistáveis e, depois, pula para dentro dos poemas onde se instala para nos alcançar no terreno das interioridades, onde sufocamos emoções, e faz uma catarse em nós. São retratos magos,  raptados do tempo presente e da memória, do sabido e do imaginado, do mentalizado pela razão ou intuição e do emotivo quinhão de outra qualidade de tradução. Cada um é uma face do álbum. Cada um é um estilhaço, um caco do mosaico. O livro é lindo de ver e de ter pousado ao colo com sua insustentável leveza meditativa.

 

Do alpendre, pela porta da frente, logo de cara, notamos adentrarmos poemas repletos de circunstâncias em movimento que nos paralisam com as emoções emergidas da leitura. Assim, o que seria incentivada avidez por ler a página seguinte e a consecutiva e, assim, em vertigem até o final, torna-se impulso de releituras imediatas para melhores decapagem e decupação do profundo terreno de seus sentidos, mentais e sensoriais. Depois, demoramo-nos em hiatos necessários à digestão de seus densos e nutrientes conteúdos. Não é um livro para ser lido em uma prazerosa sentada, sob pena de sucumbirmos em naufrágio no redemoinho de sentimentos em que ele nos coloca! É preciso secar uma lágrima antes de outra brilhar na face para que todas mais patenteiam sua específica fonte e pinguem sobre a foto correspondente, carimbando-a com o selo da compaixão capaz, quem sabe, de propiciar expansão de consciência e engajamento nas questões e debates que envolvem as personagens que figuram neste álbum de presentes e pretéritos a clamarem por um equilibrado futuro!

 

E que acervo é este que constitui seletiva amostra em painel de emocionantes situações narrativas representativas da realidade, aquela feita de carnes e histórias, e não de números e evidências ou provas. Feita de cotidiano, de detalhe, de metonímia, de partes pelo todo. Feita de tudo que é universal e próximo: reconhecimentos, acolhedores anfitriões a nos ofertar o abraço do simples, o beijo da emoção para mergulharmos, a seguir, com desconserto e compaixão, no estranhamento e desconforto das duras realidades ali recortadas e ilustradas, envolvendo-nos, assim, com águas transformadoras da consciência, como quando por efeito de um daqueles sonhos reveladores! Querem maior feito? A Literatura abraçando temas plurais dentro de uma abrangente singularidade e, por efeito deste prodígio chamado linguagem, devolvendo-os mais capazes de despertar – na embrutecida humanidade de prevalências ainda masculinas –, as memórias de si, em resgate do sonho de igualdade que um dia jurou perseguir! 

 

A poesia feminina mineira – também a de outros lugares alheios à circunstância desta análise – tem sido um fecundo útero de gestações, nutridas por tradição e fecundadas por felizes experimentos e dedicadas lições realizadas com esmero; cito, em resumido exemplo, minhas queridas e próximas amigas e poetas Ana Elisa Ribeiro, Mell Renault, Mírian Freitas e a distante e icônica fundante desta minha admiração: Adélia Prado, que está com seu último livro pronto. Alguns, como este Pés Descalço Sobre Brasas, resultam geniais, tanto para o olhar crítico que se deleita nos interstícios do texto, quanto para as leituras de entrega que, pouco importam os porquês, suscitam incontáveis emoções no leitor, mais de vez umedecendo as mesmas retinas que o decifram. 

 

Júnia Paixão, a mestra, a mulher, a autora, a poeta é em si o oratório que recebe as preces do desespero, do desamparo, das perdas, do aperto, do susto e também da resignada gratidão pela existência e condensa sua prolixa verve que jamais ilustraria a extensão dos pensamentos e sentimentos expressos com a coesão das preces. Em Pés Descalços Sobre Brasas, esses imensos temas pungentes representados por átomos pesados de poesia, tão radiantes de polissemia e de ligações em pinçados encontros lexicais, que dão conta de complexas e muito sensíveis narrativas. Uma alquimia artística eclodida das reações de fissões, fusões e transmutações nucleares dos sentidos secretos das palavras e da infinitude de prodígios quando se ligam em moléculas! Tal reação é a forja da linguagem, que é, em todo caso, sempre um intrigante mistério. Estimo que, nesta obra, a composição seja: 10% dramaturgia, 20% crônica, 70% mini e microcontos, compostos com 100% de poesia.

 

São poemas narrativos como poucos vistos, talhados com tal rigor que quase prescindem dos verbos para a narrativa de enredos seculares, milenares, cena e retrato, situações e momentos de imensa carga simbólica traduzido pelo uso descritivo das expressões substantivadas. Os temas e cenas são latentes romances, novelas, contos, aqui postos em densos, coesos e concisos minicontos feitos de versos. Cada poema se prestaria de epígrafe para uma biblioteca de narrativas deste mundo suficientemente, mas apenas, insinuado! Um desses livros borgianos, de infinita lombada!

 

Sem ter notado o tempo contido na palavra Brasas do título do livro, os dos poemas abre-alas também antecipam que tempo, sem verbo e ressubstantivado em símbolos linguísticos de contundente potência e fácil assimilação, terá presença itinerante tanto na tela temática quanto na arquitetura de uma linguagem poeticamente elegante e engajada em causas prosaicas com suas complexidades de narrar. Resultam breves relatos bem postos com começo, meio e fim, dramáticas cenas – e nisso também identificado a esquetes – cada um dos poemas renderia um pequena cena na ribalta –; tudo contado pela voz da poesia. E há tanto de pretérito – quase sempre persistente – nos retratos desbotados que Júnia recompõe.  Veja, por exemplo, como o tempo passa – ou não passa – nos ponteiros do íntimo relógio da poeta; cinquenta anos em cinco versos:

 

“perguntava a mãe

perguntava o pai

perguntava o médico

perguntava o marido

perguntava o filho”

 

Esse mesmo recurso habilitado com extrema competência para elegante e potentes resultados vê-se também na composição do espaço, das personagens, de seus poucos adereços e, acima de tudo, das ações envolvidas com as narrativas, tudo escamoteado em evidentes imagens.

 

Da categoria dos excelentes, que demandam flerte, enlace, paixão para tornar-se um livro para sempre amado, Pés Descalços Sobre Brasas é sério candidato a encimar as listas dos melhores deste ano que começa com este convite feito de poesia. Que seja um ciclo bastante profícuo e cada vez mais urdido com protagonismo feminino, principalmente deste quilate da Júnia Paixão que alia sólida trajetória com o viço aplicado a recompor o novo em mosaicos feitos das relíquias da longa e dedicada tradição deste ofício de fazer poesia em Minas Gerais, no caso dela, em Carmo da Mata que ela comprova microcosmo universal, como sempre são os pedacinhos de chão sob os passos dos grande poetas, mesmo quando postos em brasas sob seus pés!

 

PÉS DESCALÇOS SOBRE BRASAS

Editora Patuá - 84 páginas

 

JÚNIA PAIXÃO

Júnia Paixão é professora, poeta e escritora. Graduada em Ciências Biológicas, Mestra em Educação, leciona Biologia na Rede Estadual de Minas Gerais. Nasceu no Amapá, cresceu em Belo Horizonte e mora há 30 anos em Carmo da Mata, onde, desde 2017, organiza a FLICAR – Festa Literária de Carmo da Mata. Autora de vários livros de poemas e crônicas e de livros infantis. Tem diversos trabalhos em antologias e revistas literárias, divulga poesia brasileira contemporânea no podcast Uma pitada de poesia e é editora na Revista Alpendre Literário.

 

LUIZ EDUARDO DE CARVALHO

Foi professor, publicitário, jornalista e gestor cultural, dedica-se com exclusividade à produção literária desde 2015. Escritor, editor e crítico, conquistou 125 prêmios literários. Publicou 17 livros, entre eles: Sessenta e Seis Elos, Xadrez, Evoé, 22!, Um Conto de Réis (e de Rainhas), Crônicas do Ofício, Cabra Cega, Q Absurdo!, Bicho-da-Seda e Mãos de Deus - Biografia do Padre Júlio Lancellotti.


 

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LUIZ EDUARDO DE CARVALHO
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