Cinco anos de chuvas escassas deixam Estados nordestinos em alerta. Crise atinge também cidades grandes, que aguardam transposição do rio São Francisco, afetado pela seca. Projeto só deve ser concluído em 2018. Em Irecê, na Bahia, a hora mais aguardada da semana é a entrevista dada pelo meteorologista na rádio. É quando os moradores esperam ouvir notícias sobre a chegada da chuva, tão aguardada no semiárido para amenizar a severa seca que assola o Nordeste há cinco anos. O produtor rural Edinaldo Campos nem sempre entende a linguagem do especialista. Neste ano, ele perdeu toda sua produção de milho e não para de furar poços atrás de água para irrigar o único hectare de beterraba que tenta cultivar. Irecê, localizada no polígono da seca, vive um fenômeno que chama a atenção dos técnicos: a cidade está afundando. O motivo é a quantidade de poços perfurados, feitos sem planejamento integrado por produtores desesperados por causa da escassez. Em todos os estados do Nordeste, a seca não se restringiu às zonas rurais mais vulneráveis, mas também avançou para grandes centros urbanos. Em Campina Grande, na Paraíba, um dos principais polos industriais da região, a crise impôs um racionamento há meses. O açude Epitácio Pessoa, que leva água à cidade e a outros 18 municípios, está com 5% de sua capacidade. Esse é o pior nível registrado desde a sua construção, no fim da década de 1950. "Se não chover, não haverá água a partir de março", admite Paulo Varella, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA). "Acompanhamos o cenário em tempo real da nossa sala de situação e atuamos junto aos estados na gestão da crise", complementa. Açudes e cisternas vazias No sertão e agreste de Pernambuco, dados apontam para o aumento da área de escassez hídrica e temperaturas até 6 °C acima da média. O Monitor de Secas, ferramenta administrada pela ANA que acompanha a evolução do fenômeno no Nordeste, mostra o aumento da mancha vermelha mais escura no mapa, que indica "seca excepcional". Mesmo no Ceará, que se destaca pela maior capacidade dentre os demais Estados nordestinos para reservar água em açudes, a situação é crítica.
"Cortamos a irrigação para garantir o abastecimento humano", diz Francisco José Coelho Teixeira, secretário estadual de Recursos Hídricos. Mais de 2 mil poços foram perfurados desde 2012, além de 200 mil cisternas construídas na última década para aumentar a resiliência da população.
A infraestrutura não afastou a crise: "Em meio a esse cenário, o que está garantindo o sustento das comunidades é o Bolsa Família", acrescenta Teixeira, lembrando que a única fonte de renda dessas famílias era a agricultura. Campos diz que os pequenos produtores se sentem abandonados. "O Estado é ausente. É por isso que nós, na base, sofremos tanto", opina. "Se já sabiam que viria uma seca tremenda, por que não falaram pra gente antes? Por que não deram um aviso, falando pra gente poupar ainda mais água, ração, semente?", questiona.
Nos tempos áureos, Irecê já foi a maior produtora de feijão da região, com 200 mil hectares de área plantada. Com a escassez de água, as lavouras também desapareceram.
Para manter a produção familiar, agricultores locais recorrem a uma figura tradicional caçadora de águas subterrâneas, que eles chamam de "varólogo".
Com duas varas na mão, ele circula pelos terrenos em busca do local apropriado para perfuração do poço. Quando as varas se movimentam, é sinal de que há água correndo debaixo da terra. "É um conhecimento passado por gerações, poucos têm esse dom. Não sei explicar como funciona, mas funciona", conta Campos. Em muitos casos, a pouca água é salobra, inapropriada para consumo humano. Paulo Varella, da ANA, é a favor de tecnologias de dessalinização. "Não é nada excepcionalmente caro diante da escassez", afirma. Em alguns Estados, projetos-piloto usam a energia solar para abastecer o equipamento. Segundo Varella, o custo pode chegar a 0,50 dólar por metro cúbico de água – o equivalente a mil litros.
Segundo a Organização das Nações Unidas, 110 litros diários são suficientes para atender às necessidades básicas de uma pessoa. "Muito mais caro que projetos de dessalinização são os custos com caminhão-pipa", argumenta Varella. Para centenas de cidades do Nordeste, esta é a única fonte de água no momento, e estima-se que o custo com o serviço chegue a 80 milhões de reais por mês.
Na visão de Francisco José Coelho Teixeira, secretário de Recursos Hídricos do Ceará, a seca atual comprovou a necessidade da transposição do rio São Francisco.
Dois grandes canais irão levar água pelo Eixo Norte, que vai do município de Cabrobó (PE), passando por cidades do Ceará, até Cajazeiras (PB), e pelo Eixo Leste, que começa em Floresta (PE) e vai até Monteiro (PB). O São Francisco percorre 2.800 quilômetros, é fonte importante para irrigação (77% de seu uso), abastece grandes cidades e gera energia elétrica em usinas.
A seca, porém, também impacta a região da bacia. A conclusão do Eixo Norte, que aliviaria a situação em Campina Grande, só deve ocorrer em 2018.
A empreiteira responsável pelas obras, Mendes Júnior, abandonou o projeto, e uma nova licitação deve ser aberta até o fim do ano, garante o Ministério da Integração Nacional. O Eixo Leste deve ser finalizado na virada do ano, mas ainda não se sabe como será sua operação em detalhes.
O pescador Antônio Gomes dos Santos, de 84 anos, desconfia que a seca que assola a região onde vive, no estado de Alagoas, não seja um comportamento normal da natureza. "O clima está mudando, e o homem é o culpado. Já não chove como antes quando tem que chover, e vejo o rio secar", diz sobre o São Francisco, que banha o povoado onde cresceu. Modelos climáticos feitos por cientistas preveem uma redução de 30% de chuvas na região, afirma Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de São Paulo.