Palavras ofensivas, piadas inapropriadas, desvio de valores corporativos, imposição de tarefas que fogem do escopo do colaborador, até mesmo chantagem emocional… Diversas são as formas de assédio moral no ambiente de trabalho, muitas delas decorrentes do abuso de poder de quem ocupa cargos de liderança. Segundo pesquisa da plataforma de recrutamento VAGAS.com, 52% dos entrevistados já sofreram algum tipo de assédio, sendo que destes, 87,5% não denunciaram. Para Uranio Bonoldi, especialista em negócios, carreira e tomada de decisão, a insegurança do brasileiro frente ao desemprego é o que leva tantos profissionais a suportarem em silêncio situações de abuso.
“Infelizmente, o trabalhador não tem, muitas vezes, poder de barganha suficiente para ‘comprar a briga’ contra um empregador que o assedia. E muito provavelmente o abusador está consciente dessa fragilidade, por isso segue com os constrangimentos”, aponta. De acordo com o levantamento, 39% dos entrevistados afirmaram não ter feito denúncia por medo de perder o emprego. As demais causas apontadas foram medo de represália, vergonha, e até mesmo receio de acabar levando a culpa pelos abusos. “O porém é que, por mais compreensível que seja o receio, o silêncio não é o melhor caminho para enfrentar o problema. É preciso tomar atitude”, afirma o escritor.
Uranio pondera que o primeiro passo, e às vezes o mais difícil, é o colaborador reconhecer que está vivendo situação abusiva. “É muito comum que o assédio esteja disfarçado de uma vivência comum do cotidiano do trabalho, como quando um empregador sistematicamente pede para que o colaborador exceda as horas de expediente sem pagar algum tipo de compensação, fazendo ameaças veladas de demissão. Ou quando o feedback de uma tarefa é frequentemente negativo, com palavras que fazem o colaborador se sentir diminuído, inferiorizado. Até mesmo listar o que o colaborador faz, como se ele não estivesse executando o que lhe é atribuído. É preciso reconhecer que algumas práticas não são, e não podem, ser comuns no dia a dia”, diz.
Para lidar com o problema, o especialista sugere seguir pequenas etapas. “A princípio, tente demonstrar sua insatisfação e incômodo. Não se esconda por trás de um sorriso amarelo, e se for o caso, converse e aponte o que causa desconforto”. Se o problema não se resolver, ou até mesmo piorar, é válido levar o caso para as instâncias da instituição que lidam com o tema, como o setor de RH ou a ouvidoria interna. Também, converse com colegas que passam por situações parecidas, pois pode fortalecer o enfrentamento ao abuso de poder. “Mesmo que suas ações sejam cautelosas, elas precisam ser firmes, até mesmo com provas e testemunhas que deem respaldo às suas afirmações ou denúncias”, enfatiza.
Caso nenhuma mudança de atitude ocorra, deve-se buscar assistência jurídica. A legislação brasileira configura como crime a prática de assédio moral no trabalho, definida como a violação frequente da dignidade de outra pessoa, causando-lhe danos físicos ou psicológicos. Em 2019 foi aprovado o Projeto de Lei nº 4742/2001, acrescentando o artigo 146-A no Código Penal, tipificando o assédio moral no trabalho como crime, com pena de um a dois anos de detenção e multa. “Não podemos esquecer que o colaborador tem direitos e é totalmente cabível que recorra à justiça para lidar com tais situações. Pode ser delicado, difícil e trabalhoso encabeçar um processo desse tipo, e até eventualmente fechar portas em outras empresas, mas se for necessário, não se pode desconsiderá-lo sob pena de o cenário nunca mudar para melhor”, diz Bonoldi.
Em último caso, se for difícil encabeçar uma ação como essa, bem como buscar quem o apoie, recomenda-se que, de forma planejada e responsável, o ideal seja procurar trabalho em outra organização cujos valores e governança correspondam a uma gestão sustentável.
O que as empresas devem fazer
O escritor, autor de “Decisões de alto impacto: como decidir com consciência e segurança na carreira e nos negócios”, acrescenta que as empresas devem estar atentas a essas práticas de abuso e buscar formas de evitá-las. “Todos os profissionais, de gestores a colaboradores, devem estar eticamente alinhados, e diversas ações podem garantir a harmonia no ambiente de trabalho. Realizar treinamentos específicos sobre o tema pode ser uma solução, além de pesquisas internas e conversas para averiguar se as coisas seguem o seu devido rumo. A liderança das organizações deve ser empática e essa relação líder/liderado deve ser harmônica e ter livre comunicação. O que não se pode é permitir que os abusos sigam nas empresas impunemente, sob pena de perpetuar uma gestão sob a ‘cultura do medo’”, finaliza.
Sobre o autor
Uranio Bonoldi é palestrante e especialista em negócios e tomada de decisão, é professor do Executive MBA da Fundação Dom Cabral, onde leciona sobre "Poder e Tomada de Decisão". Educado pelo método Waldorf, sua graduação e em seguida a pós-graduação em administração de empresas foi feita na FGV-SP. Atuou em grandes empresas como diretor e CEO. É autor dos thrillers da saga “A Contrapartida”.