A entrega voluntária do bebê pela mãe para adoção ainda é um tema delicado que gera desconforto e sentimentos ambíguos nas pessoas, porque nossa cultura se baseia no amor incondicional, na premissa da maternidade, então, nos parece estranho pensar que uma mulher não vai querer ficar com o filho gerado.
Embora muito se priorize a manutenção dos vínculos junto à família de origem do ponto de vista do desenvolvimento infantil, nem sempre isso será possível ou salutar para a mulher e, sobretudo, para o bem da criança. Ė preciso esclarecer que a entrega voluntária de bebês para adoção é um direito da mãe e está previsto expressamente em diversos artigos do ECA, mais notadamente no Art. 19-A, o qual diz que “a gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude”.
No coletivo popular o julgamento moral sobre assunto “estala alto”, e em um primeiro momento tendemos a imaginar a maldade dessa mulher, que deve ser uma pessoa cruel, sem coração, despreparada, que não pensa no bem da criança. É só com um pouco mais de reflexão que conseguimos olhar a questão por uma nova ótima e podemos nos perguntar: Afinal, o que leva uma mulher a abdicar da maternidade e entregar essa criança?
Ao procurar entender, percebemos que essas mulheres trazem consigo motivos muito mais profundos do que os rasos imaginados inicialmente. A falta de apoio social e familiar é um deles, geralmente são mulheres que estão sozinhas para enfrentar o mundo e as dificuldades da criação de uma criança; a gravidez na adolescência também é uma das motivações; do mesmo modo, os vícios fazem parte dessa lista; bem como, a gravidez decorrente de situações de violência. Você já parou pra pensar que uma mulher é estuprada a cada dez minutos no Brasil? Essa situação também leva muitas mulheres a escolher o caminho da entrega, por sentirem-se incapazes de ser mãe nas condições impostas.
O mais trágico dessa história toda é que na maior parte dos casos o pai da criança não está presente e, o que se observa é que, o julgamento moral em relação aquele homem ausente não é tão forte quanto o que acontece com a mulher. É algo para pensarmos enquanto cultura, enquanto sociedade. Afinal, por que deve recair com tanta força sobre as mulheres o peso da dificuldade de exercer a maternidade e ser tão mais pejorativo do que para os homem que não exerce a mesma paternidade?
É a hora de renovarmos nosso olhar sobre o assunto. Há também que se convir que o ato de entrega é muito diferente do abandono. Nesse caso será possível perceber uma preocupação em preservar a vida e o melhor interesse da criança, o que implica em confiá-la a alguém. E é por isso que a entrega voluntária está prevista na lei e não é um crime.
Pela mesma razão, quando essas gestantes manifestam interesse em entregar a criança, elas devem ser encaminhadas para a Vara da Infância e da Juventude sem constrangimento. Por óbvio, haverá um procedimento legal para isso. Quando a gestante optar pela entrega, ela será ouvida em juízo logo após o nascimento do bebê. Realizada essa audiência, a mãe terá o prazo de até 10 dias para exercer o seu direito ao arrependimento. Caso se arrependa, será acompanhada pela Vara da Infância e permanecerá com a criança. Mas, se optar seguir com a decisão, será feita a procura de casais habilitados para adoção do bebê.
O processo acontece de maneira adequada, para proteger e garantir a proteção e o melhor para a criança. Infelizmente o direito de doar o bebê para adoção ainda é tabu para muitos, o que acarreta situações que, aí sim, de fato serão inadmissíveis e consideradas crimes, como infanticídio ou crianças abandonadas em locais impróprios.Evitaremos diversas situações destas se já tivéssemos bem afirmado e divulgado a existência desse direito.
Por isso é fundamental conversar sobre o tema, se informar ou procurar a Vara da Infância e da Juventude para suporte. Lá será possível obter toda a orientação necessária sobre a melhor forma de fazer essa entrega, de uma forma segura, na qual não será punida ou criminalizada. Essa decisão deve ser respeitada.
*Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. Membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
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